quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O que é que há?

O que acontece?
O que se passa?
Há pouco percebia as coisas sem choque
E agora me perdi entre os extraviados.
Me viro do avesso
E os encontros eram previamente marcados.
Mas pra quando mesmo?

Já não percebo mais graça em volta
Mas estar vivo já é bem irônico.
Amanhã eu chorarei, mas de rir
Ou então me debulharei em lágrimas. Quem sabe?
E o que eu tenho pra depois?
Seu ombro, seu gosto, seu cheiro... não!
Só meu rosto
Refletido...
Refletindo...

E o que me resta pra amar?
"Óh, Graciliano Ramos, isso sim é vida seca!"

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O adultério de Capitolina - FINAL


(...)
Até então Bento não se dera conta de que Capitu pudesse ter cometido adultério. Para ele ainda eram estranhas coincidências. Todavia, quando Escobar morre afogado, Bento começa a desconfiar piamente que houve traição, logo no velório. Percebeu que todas as coincidências faziam sentido, pois não se tratava somente de coincidirem, os fatos estavam ali o tempo todo, bastava enxerga-los melhor. Capitu, no velório, deixou transparecer uma tristeza de apaixonada, infinitamente mais emotiva que Sancha. Seu olhar sobre o cadáver, ainda que por alguns instantes, era intensamente melancólico e Bento, a partir daí, passou a ter um olhar mais cético. “...Capitu olhou alguns instantes para o cadáver, tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...” (cap. 123)

Foi realmente depois da morte de Escobar que Bentinho deixou-se tomar pela cisma e por dúvidas que o afligiam. Passou de homem amado e feliz com a família, para um homem com um coração agoniado, já não sabia mais se era pela morte do melhor amigo ou pela possível traição que Escobar deixará de legado a ele em vida.

Afinal, Capitu era uma mulher emotiva? Pouco me recordo de ela sofrer na infância e na juventude quando namorava Bentinho. Por que então a morte de Escobar lhe causava tanta dor? Talvez ela tenha se afeiçoado tanto a Escobar que não teve como segurar o pranto. Mas o que tanto foi Escobar para Capitu, senão amigo da família? “As pessoas valem o que vale a afeição da gente...” (Bento Santiago). Interessante como o autor, ou melhor, o narrador nos envolve nesta trama. Como no capítulo 129 quando Bento dedica este a D. Sancha, viúva de Escobar. É tanta verossimilhança que quase nos faz crer que a obra Dom Casmurro é baseada em fatos reais. Mas reais mesmo são os acontecimentos narrados por Bento que nos faz ter certeza da culpa de Capitu.

Depois de um bom tempo da morte de Escobar, Bentinho já não era mais o mesmo com Capitu. Era um marido calado e aborrecido. Um dia, para aumentar mais sua desconfiança e raiva, Capitu comentou que Ezequiel tinha olhos como os do falecido Escobar. Até ela percebeu o que ele havia percebido há tempos. Bentinho, por sua vez, concordou, mas fez expressão de pouco caso, como quem não quisesse tocar em um assunto que o feria por dentro, porque não eram somente os olhos que achava parecidos... “Nem só os olhos, mas as restantes feições, a cara, o corpo, a pessoa inteira, iam-se apurando com o tempo. Escobar vinha assim surgindo da sepultura, para se sentar comigo à mesa...” (cap. 132). E todas as ações feitas por Ezequiel eram repulsivas para Bento, já estava difícil de suportar. Por mais hiperbólico que Bentinho fosse, inventar a imagem de outra pessoa no próprio filho sem de fato parecerem é não estar bem das faculdades mentais, mas Bento era um homem são.

Você então deve estar se perguntando: se Capitu realmente traiu Bentinho e ele passou a ter certeza disso, então por que ele não foi tirar satisfações com ela logo? Por que ficou agonizando essa dúvida (ou certeza) e tornou sua vida fastidiosa por isso? Simples. Por amor. Por muito amar Capitu e não suportar pensar em deixá-la. Ainda que a raiva o tomasse por completa quando pensava em Capitu e em Ezequiel, sempre que olhava para ela linda, graciosa, de olhar envolvente e o jeito mais doce se recordava que jamais houvera amor maior. Além disso, Capitu fazia o tipo Amélia mesmo (como eu já havia dito), mulher de verdade (para a época), esperava na janela o marido chegar do trabalho e outros pequenos gestos que o desarmava, enchendo-o de coragem para continuar a aguentar tal castigo dia após o outro.

Passado alguns anos a morte de Escobar, Bento já conseguia se referir a ele, em pensamento, como um “comborço, termo atualmente conhecido como amante. Seu casamento com Capitu também já beirava o precipício, tamanha a certeza da traição dela. Bentinho passou a ficar mais tempo fora de casa para evitar encontrar Ezequiel e ter que conviver com eles em casa. Isso ficou cada dia mais frequente, tanto que em algumas vezes percebia novidades no filho, herdadas de Escobar. “Ezequiel vivia agora mais fora da minha vista; mas a volta dele (...) era a volta de Escobar mais vivo e ruidoso. Até a voz, dentro de pouco, já me parecia a mesma.” (cap. 132).

A semelhança era tão nítida aos olhos de Bentinho (e aos meus também agora) que o ódio lhe ultrapassava todos os sentidos. Ezequiel morria de amores pelo pai, mas Bento referia-se a ele como o “pequenino demo”(Demo de demônio? o.0), tamanha era sua aversão. Sempre que ele tinha ideias maléficas, se ausentava de casa no intuito de se distrair com outras coisas e esquecer. Pensou até em se matar e chegou a comprar veneno, só não sabia se queria cometer suicídio ou então, tomado pela tragédia Otelo que matou a amada por desconfiança, matar Capitu. A diferença era que Desdêmona, a amada de Otelo, era inocente.
Botou no café o veneno que comprou e ficou pensando se bebia ou não. Nesta hora, Ezequiel entrou no escritório onde Bento estava. Num ímpeto impulso, Bentinho ofereceu insistentemente café envenenado ao filho (esse capítulo é ótimo). “Ezequiel abriu a boca. Cheguei-lhe a xícara, tão trêmulo que quase a entornei, mas disposto a fazê-la cair pela goela abaixo, caso o sabor lhe repugnasse, ou a temperatura, porque o café estava frio...” (cap. 137). Mas ele não o fez.

“- Não, não, eu não sou teu pai!” (cap. 137), afirmou em voz alta. E acreditava muito nisso, pois tinha diante dos olhos um filho imagem e semelhança de outro homem... Para ele, a própria natureza jurava por si e ele não queria duvidar dela. Neste momento de desabafo, Capitu escutou e pela 1ª vez percebeu em Bento uma desconfiança, mesmo sabendo que ele tinha muitos ciúmes dela. “Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos seus ciúmes!”, exclamou Capitu no cap. 138. Mas Capitu, depois disso, deixou mais claro ainda que cometeu adultério quando concordou que Ezequiel parecia mesmo com Escobar e se justificou. “Sei a razão disso; é a causalidade da semelhança...” (cap. 138). Espere. Meu filho nasce com os traços de outro homem muito conhecido e é só fruto da imaginação? É só causa e efeito da semelhança? E por acaso semelhança não é sinônimo de imitação, de ser igual? Portanto, se Ezequiel é semelhante então ele tem a aparência vívida e perceptível. Bento riu com essa justificativa de Capitu. E eu também.

Depois disso, a separação deles foi inevitável. Capitolina e Ezequiel foram embora para a Suiça. Ainda se correspondiam por cartas e Bento as respondia, entretanto nunca mais quis vê-la. Anos mais tarde, Capitu morre e Bentinho dedicou apenas uma linha do livro para anunciar sua morte (isso é o que eu chamo de guardar rancor).  Ezequiel então foi visita-lo, agora já adulto e vivido. Bento não sabia se era mesmo Ezequiel ou a própria reencarnação de Escobar. “...correu para mim. Não me mexi; era nem mais nem menos o meu antigo e jovem companheiro do seminário São José, (...) o mesmo rosto do meu amigo. Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar.” (cap. 145). É como se Escobar tivesse ressurgido em cada gesto, cada riso, cada palavra, cada atitude de Ezequiel. Tanto ódio, tanto rancor não seria o tempo e a distância que amenizariam. Ainda neste encontro, desejou que Ezequiel morresse de lepra. Ezequiel morreu de febre tifoide numa viagem a Jerusalém com amigos tempos depois.

Bento Santiago encerra sua história de vida, um tanto quanto agridoce, acreditando, assim como eu, no adultério de Capitu. “E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, é e a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve!” (último parágrafo do livro).  Dom Casmurro foi lançado em 1900. Machado morreu em 1908. Nenhum crítico nesses oito anos jamais ousou negar o adultério de Capitu. Então por que agora deveríamos?

Considerações finais:
Confesso! Confesso que todas as tentativas de justificar a culpa de Capitolina são passíveis de falhas. Apesar de ficar envolvida com a trama, a ponto de enxergar com olhos de Bentinho, há possibilidades maiores de Bento Santiago ter pirado do meio da história pra lá.  Hehe.

Realmente, não dá pra confiar extremamente nas justificativas evasivas de Bentinho. De tanto desconfiar, acreditou nas próprias cismas. Seu erro maior foi não ter investigado melhor o que o afligia desde a juventude, não procurar a verdade e ouvir a versão de Capitu para continuar uma relação sólida e feliz com sua amada. Se deixou levar pelo ciúme doentio, pelas picuinhas de José Dias, pelas coincidências (ainda que muiiito suspeitas) sobre a aparência de Ezequiel.

Deve-se levar em consideração também quando o romance foi escrito. Machado de Assis escreveu Dom Casmurro no final do século XIX, época em que havia ainda muito preconceito contra a mulher. Além disso, Bento é narrador, personagem, o “traído”, o coitado, o principal do romance impressionista (mas também pode ser cínico, obcecado e louco); ou seja, só há uma versão de toda a história, a de Bento Santiago. Justo? Não. Mas o realismo com que detalhou cada momento torna a obra atraente, aberta para tantas interpretações que essa minha, por exemplo, mil irão concordar e um milhão discordará. Certamente há outras justificativas convincentes para provar o contrario do que eu escrevi, além dessas citadas agora. Entretanto, isso ficará para uma próxima conversa. Mas de uma coisa não iremos divergir: a GENIALIDADE DO AUTOR.
FIM

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O adultério de Capitolina - Parte II

Antes de dar início a leitura deste texto, sugiro que leia O adultério de Capitolina – Parte I para melhor compreensão da narrativa , pois este texto dá continuidade aos fatos anteriormente mencionados. Se já leu a 1ª parte, desconsidere esta sugestão. Boa leitura!




Fantasiosas ou não, tudo que Bento (ou Machado de Assis, depende da sua interação com a narrativa) deixou escrito em Dom Casmurro foi para causar comoção. E a mim não restam dúvidas senão a de um homem traído. Bentinho não fez outra coisa a não ser contar momentos inesquecíveis de seus longos anos ao lado da amada Capitu. Ora ora, se você não é capaz de crer nos fatos que o livro menciona, então não crês em nada do livro, nem em Capitu tampouco em Bento. Até que ponto acreditas? Dom Casmurro é tudo ou nada, não tem meio termo, meias palavras. Ou você acredita que Capitolina é inocente ou você tem certeza da traição da mesma e essa segunda opção está bem mais óbvia. Já que é para levar o livro a sério, então levemos.

Apesar de parecer o contrário, Bento Santiago não tinha obsessão amorosa por Capitu. Ele a amava muito e como todo amor intenso, tinha seus ciúmes, um egoísmo natural de quem quer bem ao outro e um doce desejo de seguir seus passos. Isso é mais comum do que se imagina. E ele provou sua não obsessão quando ainda estava no Seminário. Bento não pensava 24h por dia em Capitu, também ficava a imaginar outras mulheres, ou melhor, outras pernas. “De noite, sonhei com elas. Eram belas, umas finas, outras grossas, todas ágeis como o diabo. (...) trepadas no ar, choviam pernas e pés sobre a minha cabeça.” (cap. 58).
 
Isso, caro leitor, foi somente para mostrar que Bentinho não era cego por Capitolina quanto dizem por ai. Bento Santiago era um homem, ainda que do século retrasado, mas era só um homem.  Apesar de reclamar da fraca memória (claro, não se espera muita coisa de um senhor que viveu meio século), Bentinho narra tudo com tanta vivacidade que chego a duvidar se deveras lembra de tanto ou inventara algumas coisas para impressionar. Mas ele não seria tão meticuloso, precisaria de uma história inteiramente falseada para sustentar tantos fatos. E a única coisa que ele quer provar é o que ficou óbvio, a traição de Capitu.

Voltando a Capitu. Enquanto Bentinho se lamentava muito à distância da amada por conta do seminário, Capitolina era só alegria longe dele. “A notícia que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites, produziu-me aquele efeito, acompanhado de um bater de coração, tão violento, que ainda agora cuido ouvi-lo.” (cap. 62). Exagero? Não há nada de errado nisso. Quando o assunto é o sentimento, o discurso humano se alterna entre partes excessivas e diminutivas que ao final se ajustam.

Nesta época, ninguém sabia do romance de Bento e Capitu e ela, com tanta naturalidade e dissimulada como só ela, dispersava todos sobre seu romance com Bentinho como se deveras sentisse o que dizia aos outros – nada! Bentinho reconhecia Capitu como um anjo. Nunca teve nenhuma desconfiança relevante dela, somente bobos ciúmes de namorado. Mas o tempo foi se encarregando de abrir-lhe os olhos e mostrar a verdade de um único e decisivo acontecimento.

Mas que Amélia que nada, Capitu sim que era mulher de verdade. Dissimulada sim, mas lépida e, principalmente, mulher por dentro e por fora. Daquelas de deixar homens a seguindo com os olhos por onde passa e encantadora para quem a conhece intimamente. Independente de qual tenha sido a conduta de Capitu, eu a admiro incansavelmente. E Bento também percebia isso e o amor por ela era a coisa mais importante para ele. “Amai, rapazes! E, principalmente, amai moças lindas e graciosas; elas dão remédio ao mal , aroma ao infecto, trocam a morte pela vida... Amai, rapazes!”, aconselhou Bentinho no capítulo 86. É, o diabo pode não ser tão feio como se pintam por ai. =X

Bento Santiago e Capitolina casaram-se em 1865, depois que ele saiu do Seminário, foi estudar na Europa e voltou. Sancha, aquela amiga de Capitu, e Escobar já haviam se casado também e já tinham uma filha. Nesta época, Capitu tentou inúmeras vezes engravidar de Bentinho, mas não acontecia, era como se um filho daquela união matrimonial não fosse possível. O casal tinha uma vida de rotina, sem grandes expectativas. E o que acontece quando qualquer coisa em nossas vidas cai na rotina? Desmotivação, vontade de fazer alguma coisa diferente, enfim, talvez isso seja uma boa justificativa para ações audaciosas, camufladas por Capitu.

Todos sabiam do prazer de Escobar em nadar no mar. Capitu começou a fitar o mar como quem não quisesse perder a concentração. E em uma dessas vezes, confessou a Bentinho de um encontro que teve com Escobar em sua ausência, mas não entrou em detalhes sobre o encontro e Bentinho também não perguntou. Um inocente encontro? Talvez. Aconteceu neste dia algo a mais entre os dois? Quem sabe. Nem Escobar achava Capitu esta santa toda que Bentinho achava. “- Capitu é um anjo! – Escobar concordou com a cabeça, mas sem entusiasmo, como quem sentia não poder dizer o mesmo da mulher.” (cap. 106).

Capitu também começou a ficar uma mulher distraída, Bento vez ou outra a surpreendia com pensamentos longes, calada, reflexiva. Mais tarde, Bentinho começou a atribuir estas distrações momentâneas a possíveis “pesos na consciência”, como se deixasse silenciosamente clara a sua culpa. Todavia, pensar desta forma é cair no exagero de Bento, é se deixar levar por um amor sem medidas, é se envolver até que fiquemos loucos, como ele ficou.

Por fim, Capitu consegue engravidar e nasce Ezequiel. Consegue imaginar o que isso significava para Bento? Aquele filho era a personificação de um amor sólido e duradouro, uma felicidade sem termos. Bentinho não criou Ezequiel com rejeições principias. Amava-o incondicionalmente e fazia todas suas vontades, como um bom pai. Mas o tempo foi passando e algumas estranhas semelhanças entre Ezequiel e Escobar foram surgindo logo nos primeiros anos de vida. Ezequiel adorava imitar as pessoas, mas quem ele imitava com mais naturalidade (se é que imitava, né, ou apenas estava sendo ele mesmo) era Escobar. Até Capitu percebia isso, e ficava bem incomodada. Começou a perceber semelhanças nos pés e nos olhos. Ainda era só um menininho.

Certa vez Bento foi ao teatro à noite sem Capitu. Ela não quis ir dizendo estar indisposta, doentia. Bentinho não ficou para o final da peça, voltou logo no final do 1º ato e ao chegar em casa encontrou Escobar na porta do corredor. Ele justificou-se dizendo que foi até lá procura-lo para tratarem de embargos jurídicos, mas mal conversaram, ficou por resolver. Escobar foi tarde da noite na casa do amigo tratar de assuntos de trabalho e quando Bento chegou em casa ele mal conversou? Fica a pergunta: ele sabia que Capitu estava sozinha? Bento foi até o quarto ver se Capitu estava bem de saúde, pois estaria mal quando ele saiu para o teatro. E ela já não tinha dores, disse que teria agravado o padecimento para que ele fosse se divertir, ou seja, fez questão que ele saísse de casa.(cap. 113). Curioso, né? 

Todos se recordam na primeira parte quando eu mencionei que Capitu e a mãe de Bentinho eram muito amigas, unidas e cúmplices. Mas depois que os dois se casaram e, principalmente, depois que Ezequiel nasceu, sua mãe se afastou do casal, estava mais fria, distante e arredia com Capitu. “Mas eu tenho notado que já é fria também com Ezequiel” (cap. 115).  Capitu justificou dizendo ser por ciúmes ou porque ela já estava ficando doente. Este indiferentismo de D. Gloria com Capitu e Ezequiel pode indicar que ela já havia percebido semelhanças entre o amigo Escobar e o neto, mas para preservar o casamento do filho, preferia não estender comentários. 

Cada dia mais Bentinho notava gestos de Ezequiel parecidos os de Escobar. Todavia, no início eram somente dúvidas e leves desconfianças. Ainda não sabia se era apenas imitações ou se eram gestos naturais do filho. “Alguns dos gestos já lhe iam ficando mais repetitivos, como os das mãos e pés de Escobar, ultimamente, até apanhara o modo de voltar a cabeça, quando falava, e o de deixá-la cair, quando ria.” (cap. 116). Até Sancha, esposa de Escobar, achou Ezequiel parecido com sua filha. Porém, no intuito de negar a si tal semelhança, Bento defendeu: “Não; é porque Ezequiel imita os gestos dos outros.” (cap. 117), disse ele querendo insinuar que as crianças se parecem porque convivem muito juntas.

Acredito eu que a partir daí Sancha começou a olhar Ezequiel com outros olhos. Nessa desconfiança das aparências, talvez ela já tivesse percebido tamanha traição ocultada. E, com discrição, sentiu-se no direito de pagar na mesma moeda. Foi aí que Bento percebeu uma única vez Sancha olhá-lo diferente, como um flerte mesmo. “Sancha ergue a cabeça e olhou para mim com tanto prazer (...) os olhos de Sancha pareciam quentes e intimativos, diziam outra coisa... Senti ainda os dedos de Sancha entre os meus, apertando uns aos outros. Foi um instante de vertigem e de pecado.” (cap. 118). Bentinho não iria afirmar tal coisa se de fato não tivesse acontecido. Eles já se encontraram tantas outras vezes e nunca uma atitude como esta fora iniciada por Sancha. Por que então agora ela teria essa vontade pecaminosa e repentina por Bentinho?

Continuará...