sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O adultério de Capitolina - Parte I

No último dia 23 de novembro, o auditório do 2º Tribunal do Júri do Fórum de Goiânia foi palco, pela primeira vez, para um júri simulado envolvendo personagens fictícios da literatura brasileira. Capitu, personagem de Dom Casmurro, obra-prima de Machado de Assis, foi adúltera? De um lado, o advogado Eurico Barbosa, que fez o papel de acusação, alegando que as evidências são maiores que as dúvidas. Do outro, o presidente da Academia Goiana de Letras, Hélio Moreira, como defensor, acreditando que a personagem foi vítima de um ciúme doentio de Bento Santiago.

O júri era composto por quatro membros da AGL e estudantes. Professores, escritores e acadêmicos foram convidados para assistir uma das maiores polêmicas da literatura brasileira: Capitu traiu ou não Bento Santiago, o Bentinho? No final do julgamento, presidido pelo juiz Paulo Teles, Capitu foi absolvida, acredito eu, por falta de provas. Na contemporaneidade, as provas são cruciais nestes casos, todavia as evidências falam por si só. E Capitu certamente tem “culpa no cartório”. Vamos aos fatos.

Dom Casmurro é uma obra escrita por Machado de Assis em 1899, narrado em 1ª pessoa pelo personagem Bento Santiago, cujo mesmo relata fatos da mocidade até os dias em que escreve o livro, em torno dos seus 54 anos. O livro retrata momentos que Bentinho viveu junto à sua amada Capitu e os ciúmes que advém com o tempo mediante episódios do relacionamento.

Capitu era uma pessoa dissimulada? Talvez não. Mas que ela sabia ludibriar, ah isso ela sabia sim, e desde muito moça. Como quando começou a enamorar-se com Bentinho e, antes que fossem surpreendidos por seus pais, fazia-se de desentendida e, com natural sutileza, disfarçava o que a pouco seria um flagra. “Grande foi a sensação do beijo (...) Ouvimos passos no corredor; era Dona Fortunata. Capitu compô-se depressa, tão depressa que, quando a mãe apontou à porta, ela abanava a cabeça e ria. Nenhum laivo amarelo, nenhuma contração de acanhamento (...)” (cap. 33-34). Dissimulada era como José Dias a caracterizava. E José Dias é uma figura confiável?, me perguntam. Acredito que sim, sobretudo para a família Santiago, pois não apenas cuidava de Bentinho como o protegia de forma paternal. 

O projeto de vida de Bentinho era torna-se padre. Pois sua mãe, quando perdeu o primeiro filho, disse que se o próximo nascesse vivo o encaminharia para a vida eclesiástica. Entretanto, já muito apaixonado por Capitu, pensava na possibilidade de convencer a mãe do contrário, embalado pela paixão e ideias de Capitu. “- ‘Se eu fosse rica, você fugia, metia-se no paquete e ia para a Europa’. – Como vês, Capitu, aos quatorze anos, tinha já ideias atrevidas (...)” (cap. 18). Além disso, Capitu convenceu Bento de persuadir José Dias a seu favor, para que ele pudesse convencer sua mãe de sua suposta não vocação e, portanto, não precisar ir para o seminário. Suposta porque Bento era um garoto religioso, comparecia às missas rigorosamente, fazia suas orações como bem mandava o padre e acompanhava todas as formalidades da igreja. Portanto, teria todas as condições de gostar do seminário e dedicar-se ao clero.

Mas não teve jeito, Bentinho foi pro seminário. Quando disse a Capitu que realmente teria que ir, ela se demonstrou indiferente, fingia-se chorar enquanto ele se desesperava calado. Ela também quase nunca o olhava nos olhos, sempre ao chão e se mostrava uma mulher impaciente, capaz de pressioná-lo a fim de colocar a prova o amor que ele sentia por ela. “Se você tivesse que escolher entre mim e sua mãe, a quem é que escolhia?”, perguntou Capitu a Bentinho. Isso é pergunta de quem pretende tomar o controle da situação, ainda mais a ele que tinha a mãe como uma santa e a idolatrava. Mas ela sabia muito bem como persuadi-lo.

Bento sofria por ter que deixa-la e ela se programava, ainda que por brincadeira, se casar antes de Bentinho deveras tornar-se padre, convidando-o a batizar seu primeiro filho (cap. 44). Imaginem um ser humano apaixonado ouvir tal coisa de sua/seu amada(o)? É um tanto quanto dilacerante, sobretudo para Bentinho. Não nego que Bentinho tinha fortes tendências hiperbólicas, tal como loucos apaixonado, doentes de amor, capaz de tudo, mas queria ele enfatizar seus sentimentos e lamentações.

Percebam com a leitura do livro, que Bento se demonstrava muito mais apaixonado que Capitu e, por insegurança de descobrir o que acontecia e como era o real comportamento dela longe dele, encarava as opiniões dos outros como a verdade absoluta e se recolhia ao silêncio, ficando na dúvida do sim e do não (nos deixando também na dúvida, cá pra nós). Tá bom, também não acho o Bentinho a santidade em pessoa, já se demonstrava um pouco maléfico até mesmo antes de se casar com Capitu, quando foi pela 1ª vez tomado pelo ciúmes. “A vontade que me dava era cravar-lhe as unhas no pescoço, enterrá-las bem, até ver-lhe sair a vida com o sangue...”, desabafou o narrador.

Quando Bento foi para o seminário, Capitu se apegou a D. Glória, mãe de Bentinho, e ela a Capitu. Mas Bentinho não ficou muito tempo por lá. Ainda que tenha sido pouco, cultivou uma intensa amizade com Escobar, colega do seminário. Posterior a isso, vai para o exterior estudar direito e, quando retorna, Bentinho consegue casar com Capitu e fundamentar amizade com Escobar, que então estava casado com Sancha, amiga de Capitu, e tornado amigo ÍNTIMO do casal. Pouco tempo depois, nasce Ezequiel, filho de Bento e Capitu, a personificação da confusão de toda a trama.

 Continuará...

4 comentários:

Paulo Victor Gomes disse...

Antes de iniciar minha argumentação, quero elogiar a construção desse texto. Embora discorde veementemente do ponto de vista apresentado, sou obrigado a reconhecer a qualidade dos argumentos.

Como o próprio texto diz, Dom Casmurro é escrito em primeira pessoa, pelo protagonista Bento Santiago. Devemos, portanto, considerar que toda a narrativa não é nada mais que a percepção subjetiva que Bentinho absorveu dos fatos. Quem nos conta a história é o homem que terminou uma relação com o amor de sua vida por ciúmes, que negou a paternidade a um filho e que chegou ao fim da vida distante do convívio social.

A capacidade de "ludibriar" com facilidade que é atribuída a Capitu não pode ser encarada como um fato concreto, uma verdade absoluta. Quem nos garante que ela era mesmo assim? E se Bento Santiago construiu essa imagem em sua própria cabeça para justificar para si mesmo as atitudes que tomou? Afinal, idealizar a imagem de alguém é a prática mais comum nos relacionamentos.

Por outro lado, afirmar a traição baseando-se no argumento de que desde criança Capitu apresentava traços de esperteza é extremamente rasteiro. Se fosse assim, poderíamos considerar que toda criança que apresente inteligência fora do comum tem tendência ao adultério. Este texto pode me convencer ainda mais da inteligência de Capitu, mas está longe de me convencer da traição.

Também não percebo no livro, tão claramente, que Bentinho "se demonstrava muito mais apaixonado que capitu". O que posso afirmar é que ele acreditava nisso fielmente, o que dilacera um coração apaixonado mais do que qualquer coisa.

Enfim, não há fatos que possam me levar a acreditar que Capitu traiu. Por convicção político-ideológica, tenho tendência forte a repudiar o patriarcalismo da sociedade, portanto, não tolero injstiça contra qualquer mulher. Portanto, até que me provem o contrário, Capitu é inocente!

Paulo Victor Gomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mariana disse...

Não faço ligação com o fato de ela ser "esperta" desde jovem com a traição. Foi uma justificativa de que, sendo assim desde garota é pq está em sua essência. Pode ter levado isso por toda vida, inclusive para tentar convencer Bento de q realmente era o pai. Bom, vamos esperar a PARTE II. E antes q me atribua predicativos, sou fã de Capitu. Se traiu foi bem feito, se não, ela tem meu respeito por ser uma grande mulher. Ainda sim acho que ela traiu. OBG POR COMENTAR.

Paulo Victor Gomes disse...

Uma pessoa ser "esperta" não tem nenhuma ligação com o caráter dessa pessoa. Então eu acho que dizer que isso é a "essência" de Capitu é meio exagerado. Também sou fça de Capitu, e se ela tivesse traído isso não mudaria a opinião que tenho sobre ela. Mas ela não traiu, pelo menos até que a 2ª parte me prove o contrário. Novamente, parabéns pelo bom texto.