Por justa causa
Conversa ao telefone:(...)
- Você já está meio encrencada, o chefe já viu a foto no jornal. – avisa a funcionária, colega de trabalho.
- Mas que foto? Não sei do que está falando. – interroga a encrencada chefe de setor.
- Onde você estava ontem? Você é uma executiva de alto nível, não poderia submeter-se a tanto. O que aconteceu com você?
- Não entendo...
- Preciso desligar, - interrompeu a funcionária, - o diretor geral está chegando. Até logo.
E assim, encerraram a ligação.
Com os pensamentos atordoados, a executiva tomou três xícaras de café enquanto seus pensamentos retomavam à indignação da funcionária e a preocupação de estar prestes a ser mandada embora.
- Não é possível que alguém tenha visto. Tiraram fotos? Mas eu nem vi. Compliquei-me! – desesperou-se.
A notícia se espalhou rapidamente por todo setor de serviço. À medida que chegavam à empresa, já se comentavam o ocorrido.
- Quem diria hein. A executiva mais séria da empresa e da cidade, exemplo de competência, sujeita a fofocas deste nível? Essa não é merecedora do cargo. – comenta um outro funcionário, nada confiável.
O que todos pensavam não tinha importância, mas o que o diretor geral achava de tudo, isso sim faria diferença, e ele não havia gostado nem um pouco.
- Bom dia a todos! – chega ela, toda produzida com seu terninho preto que custou mais caro do que seu salário, com seus brincos e pulseira que brilhavam mais que seus olhos azuis, com sua bolsa importada da Europa modelo exclusivo, com seu “ar” de superioridade e sua alma envergonhada.
Todos se entreolhavam e a olhavam com deboche, boquiabertos com a manchete do dia no Jornal da Cidade que dizia:
“EXECUTIVA FAMOSA DESCONTRALADA
Sua identidade reservada havia sido desmembrada à todos. Seus gostos pessoais sempre foram criticados no seu meio e sua postura ética no trabalho a permitia ousar e extravasar, desde que ninguém soubesse.
No dia anterior à manchete, umas das bandas ícones do Metal se apresentou na cidade e isso a afetou, já que era sua banda preferida desde a adolescência. A notícia estampava uma grande foto sua, vestida de preto, com uma camiseta desenhada com caveiras e seres demoníacos. Estava com uma feição de quem gritava muito, em uma das mãos fazia gestos que simbolizava o rock e na outra mão um cigarro que não conseguiram identificar de que tipo. Mas foi suficiente para render a matéria principal.
Para uma executiva modelo de dignidade, a indignação de todos foi absoluta. A empresa agora estava no alvo das críticas e ameaçava os negócios. A manchete repercutiria por toda a cidade e região, e a fama da executiva não seria das melhores. Foram quinze anos de dedicação para alcançar a chefia e uma noite simplesmente para taxá-la de drogada e concluírem um possível desvio de dinheiro da empresa. Aquela noite foi decisivo para sua vida.
O diretor geral a convida a entrar em sua sala e, sem rodeios, avisa:
- Está demitida por justa causa.
Ela levantou-se e saiu sem maiores explicações.
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